O primeiro passo para curar uma doença é você reconhecer seu problema.
Eu já tinha reconhecido há muito tempo que precisava de ajuda, mas tinha vergonha de pedir e não sabia a quem recorrer.
Foi um dia quando vi o anúncio no jornal “Evangélicos Anônimos – se você sofre problemas pessoais e familiares por causa deste mal que aflige a tantas pessoas, e não sabe a quem recorrer, venha para nossas reuniões. Aqui você encontrará amigos e um espaço onde você pode ser quem realmente é. Não se envergonhe, vamos ajudar você a lutar!”
Primeiro eu achei que fosse uma piada, mas resolvi ligar. A pessoa que me atendeu foi muito educada, me passou todos os dados sobre a reunião e disse que eu seria muito bem vindo.
Curiosamente ela não fez nenhum tipo de pressão. Resolvi aparecer, na hora e no local marcado. Não havia ninguém na porta, apenas um aviso “Evangélicos Anônimos – Entre sem Bater”.
Entrei devagar e tentando não ser notado. Era um auditório pequeno, para umas cinqüenta pessoas em um prédio comercial.
Havia lá dentro umas vinte e cinco pessoas, e lá na frente um rapaz bem magro de óculos juntando umas folhas de papel sobre uma mesa. Sentei uma fileira para trás da última pessoa.
As 19:00 horas em ponto o rapaz pegou o microfone, e começou a falar.
“Boa noite pessoal! Meu nome é Gualberto, sou evangélico há 20 anos e estou limpo há 25 meses! Não sei o que é pior, sofrer de religiosidade aguda ou se chamar Gualberto não é mesmo heheheh…!”
Ninguém riu da piadinha do Gualberto.
“Muito bem pessoal”, ele continuou, “esta é a nossa terceira reunião e eu vejo que vocês ainda estão muito tímidos.”
“Eu vou explicar mais uma vez para todos como as coisas funcionam, porque é sempre bom lembrar!”, ele continuou,”se você veio até aqui, é porque precisa de ajuda com um problema muito sério. Todos nós aqui presentes sabemos qual é o problema, mas a nossa dificuldade é saber o que fazer.”
“Se você está aqui, já deu um importante passo, o de reconhecer o seu problema. Agora você precisa aprender algumas coisas. E qual é a primeira coisa que precisamos aprender pessoal?”
Ele fez aquela entonação de quem esperava uma reposta do auditório. Em resposta houve um burburinho inaudível.
O clima lá dentro, entre as pessoas, era muito agradável, mas elas ainda estavam um pouco tímidas.
“Não estou ouvindo gente!”, disse o simpático e esforçado Gualberto. Se eu soubesse a resposta até teria tentado ajudar.
A reposta foi um burburinho um pouco mãos alto, e eu só consegui entender que “não existia ” alguma coisa.
“Isso pessoal!”, disse o Gualberto. “Não existe Ex-evangélico! Estamos todos sob vigilância!”
A reunião prosseguiu e foi ficando mais animada e mais interessante. Gualberto explicou alguns princípios básicos e algumas coisas que precisávamos decorar que iriam nos ajudar na caminhada.
Ele criou um conceito bem divertido. Chamou a todos nós de Viajantes e disse que agora ia ficar de olho na nossa viagem, pra nos ajudar a viajar em segurança. Achei isso bem reconfortante pra ser sincero.
A idéia de ter uma pessoa olhando para mim com a intenção de me ajudar a viver era muito mais agradável do que a idéia de ter um deus olhando para mim e registrando minhas ações para me levar ao inferno.
Passados os primeiros vinte minutos o frio foi embora e as pessoas começaram a rir e interagir mais com a reunião.
Em um determinado momento o Gualberto disse:”agora, como todos nós percebemos temos uma pessoa aqui pela primeira vez! como é seu nome jovem?”, e apontou pra mim.
Nessa hora eu gelei. Já estava aceitando a idéia de que ninguém tinha me notado ali.
“Meu nome é Filipe….”, eu disse desconcertado.
“Venha aqui na frente e diga pra nós o seu problema, Filipe”
O que? Não! Fiquei sem saber o que responder mas eu não queria ir lá na frente.
De repente a mulher que estava sentada na minha frente sorriu pra mim e disse “vai lá Filipe”.
O cara do lado dela também olhou pra trás “não se preocupe Filipe, todos já passamos por isso.”
Eu acabei cedendo, e fiquei completamente surpreso com o que aconteceu a seguir.
Conforme eu ia descendo o auditório pra ir lá na frente as pessoas começaram a dizer meu nome alto, com palavras de incentivo do tipo “é isso aí Filipe!”, “é isso aí meu!”, e coisas assim.
A sensação foi tão incrível que eu comecei a rir.
Parei lá na frente, peguei o microfone meio sem graça, e olhei pro auditório por uns dois segundos e de repente um grito do meio do auditório quebra o silencio “vai lá Filipão!!”, e todos caíram na gargalhada, até o Gualberto.
Eu disse finalmente “bem… Meu nome é Filipe… é… sou evangélico, bem, desde que nasci…. Estou limpo há … Hum … umas 6 semanas … nao consigo falar muito sobre isso ainda.”
Entreguei o microfone.
No meio da multidão o cara que gritou meu nome começou a bater palma. De repente todos estavam batendo palma, e todos se levantaram. Eu não sabia como reagir, e olhei pro Gualberto e ele estava batendo palma e chorando!
Ele veio até mim e espalhou as lagrimas dele no meu pescoço num abraço apertado, e disse “eu te amo cara.”
“Eu te amo cara!!”, alguém gritou na multidão, e todos começaram a aplaudir e assobiar como se eu tivesse dado um show.
Depois o Gualberto pegou o microfone.
“Eu costumava ouvir que cada vez que alguém se convertia, os anjos faziam festa no céu.”, ele disse. “Pois aqui, toda vez que alguém vier até a frente, reconhecer seus problemas e limitações e nos presentear com um olhar e um sorriso, nós é que fazemos a festa.”
“E isso antes era meio estranho pra mim. Hoje eu me emociono, porque hoje eu percebo como é maravilhoso um ser humano ter um contato sincero com outros seres humanos”.
Eu jamais havia presenciado nada igual. Não havia música, e não havia ninguém soltando sílabas incompreensíveis, não havia ninguém berrando apelos no microfone. Aquelas pessoas estavam mesmo felizes comigo. Eu também nunca tinha escutado tantas vezes o meu próprio nome, dito de forma tão sincera.
Aquele “vai lá Filipe” ficou na minha mente, e sempre que eu achava que não ia conseguir alguma coisa, eu o escutava novamente.
Depois disso mais duas pessoas foram lá na frente e contaram seus casos, e todos foram recebidos da mesma forma, com o mesmo incentivo.
Até eu arrisquei uns gritos “vai lá Manoel!!”, e achei simplesmente o máximo fazer isso. Impulsionar as pessoas é muito mais gratificante do que derrubá-las.
A reunião acabou, e eu fui pra minha casa, com bastante coisa pra pensar.
Para a próxima reunião o Gualberto prometeu uma presença ilustre, e ficamos todos nos perguntando quem seria.
Fim!
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